domingo, 31 de dezembro de 2017

maternal, Madagáscar



Mãe!

Mãe! a oleografia está a entornar o amarelo do Deserto por cima da 
minha vida. O amarelo do Deserto é mais comprido do que um dia todo!
Mãe! eu queria ser o árabe! Eu queria raptar a menina loira!
Eu queria saber raptar.
Dá-me um cavalo, mãe! Até a palmeira verde está esmeralda! E o anel?!

A minha cabeça amolece ao sol sobre a areia movediça do Deserto!
A minha cabeça está mole como a minha almofada!

Há uns sinais dentro da minha cabeça, como os sinais do Egípcio,
como os sinais do Fenício. Os sinais destes já têm antecedentes e eu
ainda vou para a vida.

Não há muros para que haja estrada! Não há muros para pôr cartazes!
Não está a mão de tinta preta a apontar — por aqui!
Só há sombras do sol nas laranjeiras da outra margem, e todas as noites
o sono chega roubado!

Mãe! As estrelas estão a mentir. Luzem quando mentem. Mentem
quando luzem. Estão a luzir, ou mentem?
Já ia a cuspir para o céu!

Mãe! a minha estrela é doida! Coube-me nas sortes a Estrela-doida!

Mãe! dá-me um cavalo! Eu já sou o galope! Há uma palmeira, Mãe!
O que quer dizer um anel? Tem uma esmeralda.

Mãe! eu quero ser as três oleografias!

Almada Negreiros, in 'Antologia Poética'

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

ilha de Hormuz, Irão, Eles passarão... Eu passarinho!


Poeminho do Contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

Mario Quintana

Dasht-e Lut, os Kaluts, Irão


A montanha por achar

A montanha por achar
Há-de ter, quando a encontrar,
Um templo aberto na pedra
Da encosta onde nada medra.


O santuário que tiver,
Quando o encontrar, há-de ser
Na montanha procurada
E na gruta ali achada.


A verdade, se ela existe,
Ver-se-á que só consiste
Na procura da verdade,
Porque a vida é só metade.

21-9-1934
Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa

domingo, 10 de dezembro de 2017

bicicleta, Índia


Viver é como andar de bicicleta: É preciso estar em constante movimento para manter o equilíbrio.

Albert Einstein

sábado, 9 de dezembro de 2017

atelier e museu Nadalian, ilha de Hormuz, Irão


Ahmad Nadalian, é conhecido internacionalmente pelos seus projetos de arte ambiental. Os seus trabalhos baseiam-se numa ampla gama de símbolos de rituais e mitologias antigos com novas interpretações. Os seus conceitos são expressos através de uma variedade de meios e técnicas, incluindo pedras esculpidas, instalações, performances, video e arte web e peças interativas que exigem a participação do público em geral.

rainbow mountains, ilha de Hormuz, Irão


Qual é a sua estrada, homem? - a estrada do místico, a estrada do louco, a estrada do arco-íris, a estrada dos peixes, qualquer estrada... Há sempre uma estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância. Como, onde, porquê?

Jack Kerouac, "on the road"

Hamburgo


- Não os livros não explicam nada.
- Então, porquê lê-los?
- Para ignorar mais. É assim que nos tornamos cada vez mais livres.

Afonso Cruz in "Nem Todas as Baleias Voam"

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Etiópia, Mercado do Konzo


Goblin Market

Morning and evening 
Maids heard the goblins cry: 
“Come buy our orchard fruits, 
Come buy, come buy: 
Apples and quinces, 
Lemons and oranges, 
Plump unpeck’d cherries, 
Melons and raspberries, 
Bloom-down-cheek’d peaches, 
Swart-headed mulberries, 
Wild free-born cranberries, 
Crab-apples, dewberries, 
Pine-apples, blackberries, 
Apricots, strawberries;— 
All ripe together 
In summer weather,— 
Morns that pass by, 
Fair eves that fly; 
Come buy, come buy: 
Our grapes fresh from the vine, 
Pomegranates full and fine, 
Dates and sharp bullaces, 
Rare pears and greengages, 
Damsons and bilberries, 
Taste them and try: 
Currants and gooseberries, 
Bright-fire-like barberries, 
Figs to fill your mouth, 
Citrons from the South, 
Sweet to tongue and sound to eye; 
Come buy, come buy.” 

(...)

CHRISTINA ROSSETTI

Pescador, Sal, Cabo Verde


Sétimo poema do pescador

Como estrela cadente
como pedra rolando
na corrente
como lua caindo por detrás das dunas
como revérbero nas águas como reflexo
como um foco na noite
como um cigarro uma lanterna um astro
como escamas luzindo no canal
como o resto de um rasto
como um rastro
como um sinal: nada mais do que um sinal
uma luz a acender e a apagar.
Ou eu
a pescar.

Manuel Alegre in "O livro do Pescador" incluído em "A Senhora das Tempestades", 1998

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Praia de Esmoriz


(...) a Natureza é prodiga em esmagar tudo o que encontra, em confundir, em acometer contra a felicidade, contra tudo, a Natureza devia ser terraplanada e cimentada, a Natureza é responsável pela maldade e, pior, pelo amor.

Afonso Cruz in "Nem Todas as Baleias Voam"

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Lalibela, Etiópia


Lalibela é uma cidade da Etiópia onde se encontram igrejas monolíticas esculpidas na rocha viva, por ordem do rei Lalibela (século 12 da era cristã) que teve uma visão, recebendo de Deus ordens para construir uma “Nova Jerusalém”. Àquela altura, os cristãos tinham por tradição visitar ao menos uma vez na vida a cidade de Jerusalém (como hoje os muçulmanos fazem com a cidade de Meca, seu centro religioso). Como Jerusalém estava dominada pelos árabes, os cristãos não podiam exercer essa tradição. Assim, o rei decidiu construir uma réplica de Jerusalém no seu reino representando, para os fiéis, a peregrinação a Lalibela uma viagem a Jerusalém.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Dunas, Sahara, Marrocos


DUNAS

É o mar do deserto, ondulação 
sem fim das dunas, 
onde dormir, onde estender o corpo 
sobre outro corpo, o peito vasto, 
as pernas finas, longas, 
as nádegas rijas, colinas 
sucessivas onde o vento demora os dedos, e as cabras 
passam, e o pastor 
sonha oásis perto, 
e o verde das palmeiras se levanta 
até à nossa boca, até à nossa alma 
com sede de outras dunas, 
onde o corpo do amor 
seja por fim um gole de água. 

Eugénio de Andrade In "Rente ao Dizer", 1992

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

berbere no Sahara, Marrocos


Travelling, one accepts everything; indignation stays at home. One looks, one listens, one is roused to enthusiasm by the most dreadful things because they are new. Good travellers are heartless.


   Elias CanettiThe Voices of Marrakesh: A Record of a Visit

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

tambores no Ashura, Shiraz, Irão


Quero Ser Tambor

Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

N
em flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

José Craveirinha

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Ayers Rock, Uluru, Nothern Territory, Australia


Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.

Fernando Pessoa in "O Livro do Desassossego"

Sakaivo, Madagascar



A alegria é a vida vista atrás de um raio de sol.

Carmen Sylva, Novelista/Poeta
Roménia, 29 Dez 1843 - 2 Mar 1916 

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Turmi, Etiópia



(...)
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão, Pedra Filosofal

domingo, 26 de novembro de 2017

Taj Mahal, Agra, India


Levamos uma vida inteira a tentar perceber o que já sabiamos quando crianças.

Afonso Cruz in "Nem Todas as Baleias Voam"

"pescadoras", Canal de Moçambique, Madagáscar


A luz é uma espécie de olhar sobre nós. No entanto incapaz de ver por dentro. Por isso, quando é intensa, aquece pela frustração de lhe ser impossível entrar nas pessoas. Entra por temperatura.

Valter Hugo Mãe in "Homens Imprudentemente Poéticos"

sábado, 25 de novembro de 2017

olho, Laos



Tus ojos

Tus ojos son la patria del relámpago y de la lágrima, 
silencio que habla, 
tempestades sin viento, mar sin olas, 
pájaros presos, doradas fieras adormecidas, 
topacios impíos como la verdad, 
o toño en un claro del bosque en donde la luz canta en el hombro de un árbol y son pájaros todas las hojas, 
playa que la mañana encuentra constelada de ojos,
cesta de frutos de fuego, 
mentira que alimenta, 
espejos de este mundo, puertas del más allá, 
pulsación tranquila del mar a mediodía, 
absoluto que parpadea, 
páramo.

Octavio Paz

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

caçador da lua, Dasht-e Lut, Irão



(...)
Fair dreamer, look beyond yourself
  for, staying where you are,
Though the moon has not availed herself
 You've reached the nearest star


BaruchAdonai in "Mooncatcher"

Alcoi, "entre moros i cristians", exército mouro


Canto II

100


Sonorosas trombetas incitavam
Os ânimos alegres, ressoando;
Dos Mouros os batéis, o mar coalhavam,
Os toldos pelas águas arrojando;
As bombardas horríssonas bramavam,
Com as nuvens de fumo o Sol tomando;
Amiúdam-se os brados acendidos,
Tapam com as mãos os Mouros os ouvidos.

OS LUSÍADAS
Luís de Camões

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

alvoroço do olhar, Shiraz


“Meu alvoroço de oiro e lua 
Tinha por fim que transbordar...
- Caiu-me a Alma ao meio da rua,
E não a posso ir apanhar!”


Mário de Sá-Carneiro, Obra Poética

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Catedral de Santa Maria del Fiore, "Duomo" de Florença, Itália

Firenze Lontana

Sei lontana
Ma sempre presente, 
Oh Firenze
Quì nella mia mente.
Quando l'alba
Rischiara il mattino, 
Mostra al mondo
Il grazioso giardino.
Mentre il sole
Spegne l'ultima stella, 
Oh Firenze..
Tu sei mia..
Tu sei bella

Pietro Grossi

Kata Tjuta, Petermann, Território do Norte, Austrália


(...) Felizmente, fomos presenteados por algo muito mais valioso, que nos dá a liberdade: a ignorância.

Afonso Cruz in "Nem Todas as Baleias Voam"

árvore e nuvem, Kings Canyon, Nothern Territory; Australia


“99 percent of every beautiful thing you ever knew escaped and went back out into the world where you vaguely remembered it.” 

Ron Padgett

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Cor-de-Rosa, Fez, Marrocos



Cor-de-Rosa

Nem branco, nem encarnado:
é qualquer coisa no meio,
meio triste, meio abandonado,
nunca será feio.

Cor da flor dos espinhos
cuja beleza encanta o feminino
e estimula arrufos e carinhos,
comove qualquer menino...

Cor dos espinhos então...
cuja dor não se sente,
tal Homem de vidro, ou latão,
igual a toda a gente...

Cor-de rosa uma côr
cor-de rosa desmaiada
cor-de-rosa dá amor
e não recebe nada!

Rogério Beça

"Equilibrium" - Deserto, Marrocos.


He Wishes For The Cloths Of Heaven

Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.

William Butler Yeats

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Fotografando, Shiraz



Numa fotografia
Não sejas como a névoa, nem quimera. 
Demora-te, demora-te assim: 
faz do olhar 
tempo sem tempo, espaço 
limpo – do deserto ou do mar. 

Eugénio de Andrade in "O outro nome da terra" (1988)

domingo, 19 de novembro de 2017

Sob o céu estrelado, rio T Siribihina, Madagáscar



Sonhe com as estrelas, apenas sonhe,...

Sonhe com as estrelas,
apenas sonhe, 
elas só podem brilhar no céu. 
Não tente deter o vento, 
ele precisa correr por toda parte, 
ele tem pressa de chegar, sabe-se lá aonde. 
As lágrimas? 
Não as seque, 
elas precisam correr na minha, 
na sua, em todas as faces. 
O sorriso! 
Esse, você deve segurar, 
não o deixe ir embora, agarre-o! 
Persiga um sonho, 
mas, não o deixe viver sozinho. 
Alimente a sua alma com amor, 
cure as suas feridas com carinho. 
Descubra-se todos os dias, 
deixe-se levar pelas vontades, 
mas, não enlouqueça por elas. 
Abasteça seu coração de fé, 
não a perca nunca. 
Alargue seu coração de esperanças, 
mas, não deixe que ele se afogue nelas. 
Se achar que precisa voltar, volte! 
Se perceber que precisa seguir, siga! 
Se estiver tudo errado, comece novamente. 
Se estiver tudo certo, continue. 
Se sentir saudades, mate-as. 
Se perder um amor, não se perca! 
Se o achar, segure-o! 
Circunda-se de rosas, ama, bebe e cala. 
O mais é nada.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Dasht-e Kavir "Desert Team"


I have always loved the desert. One sits down on a desert sand dune, sees nothing, hears nothing. Yet through the silence something throbs, and gleams...” 


Antoine de Saint-ExupéryThe Little Prince

Etiópia, Montanhas Simien

Se te Abaixasses, Montanha

Se te abaixasses, montanha, 
poderia ver a mão 
daquele que não me fala 
e a quem meus suspiros vão. 

Se te abaixasses, montanha, 
poderia ver a face 
daquele que se soubesse 
deste amor talvez chorasse. 

Se te abaixasses, montanha, 
poderia descansar. 
Mas não te abaixes, que eu quero 
lembrar, sofrer, esperar. 

Cecília Meireles, in 'Poemas (1947)' 

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Luthier, Yazd


Sing
Because this is a food
Our starving world
Needs.
Laugh
Because that is the purest
Sound.

Hafez, Poeta Persa  (1315-1390), Shiraz

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Teerão, antiga embaixada dos EUA


“Fear is the cheapest room in the house. I would like to see you living in better conditions.” 

Hafez, Poeta Persa  (1315-1390), Shiraz

sábado, 8 de julho de 2017

Deserto do Sahara, Marrocos


Ítaca
Quando partires de regresso a Ítaca
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado – não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseídon em fúria – nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes
ou ela os não erguer perante ti.

Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes quanto possas
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.

Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.

Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.

Konstantínos Kaváfis (1863-1933)
tradução: Jorge de Sena

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Cambodja


Poem
I’m in the house.
It’s nice out: warm
sun on cold snow.
First day of spring
or last of winter.
My legs run down
the stairs and out
the door, my top
half here typing

Ron Padgett

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Luang Prabang, Laos


Diz um antigo provérbio: censuram quem se mantém calado; censuram quem fala muito; censuram quem fala pouco, neste mundo ninguém está livre de censuras.

Máximas do Dhammapada, 227