domingo, 23 de novembro de 2014

Minha cabeça cortada


Minha cabeça cortada
Joguei na tua janela
Noite de lua
Janela aberta

Bate na parede
Perdendo dentes
Cai na cama
Pesada de pensamentos

Talvez te assustes
Talvez a contemples
Contra a lua
Buscando a cor de meus olhos

Talvez a uses
Como despertador
Sobre o criado-mudo
Não quero assustar-te
Peço apenas um tratamento condigno
Para essa cabeça súbita
De minha parte

Paulo Leminski.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Guarda, Portugal


No banco de jardim

No banco de jardim,
o tempo se desfaz
e resta entre ruídos
a corola de paz.

No banco de jardim,
a sombra se adelgaça
e entre besouro e concha
de segredo, o anjo passa.

No banco de jardim,
o cosmo se resume
em serena parábola,
impressentido lume.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Serra da Lousã


A ARTE deve ser livre porque o ato de criação é em si um ato de liberdade. Mas não é só a liberdade individual do artista que importa. Sabemos que quando a Arte não é livre o povo também não é livre. Há sempre uma profunda e estrutural unidade na liberdade. Onde o artista começa a não ser livre o povo começa a ser colonizado e a justiça torna-se parcial, unidimensional e abstrata. Se o ataque à liberdade cultural me preocupa tanto é porque a falta de liberdade cultural é um sintoma e significa sempre opressão para um povo inteiro.

Sophia de Mello Breyner

domingo, 13 de julho de 2014

Dorze, Etiópia


Querer fazer política cultural quando os meios de comunicação estão inundados de demagogia é uma incoerência radical. O ministro da comunicação referiu-se ao facto de o trabalho dos artistas ser agora pago pelo povo. Também muitos jornais são agora pagos pelo povo e todos os dias custam ao povo uma despesa escandalosa.
A cultura é cara. A incultura acaba sempre por sair mais cara. E a demagogia custa sempre caríssimo."
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Minas do Pintor


A nossa morte não acontece quando somos enterrados, acontece continuamente: os dentes caem, os joelhos solidificam, a pele engelha-se, os amigos partem. Tudo isso é a morte. O momento final é apenas isso, um momento.

Afonso Cruz in "Jesus Cristo bebia cerveja"

segunda-feira, 7 de julho de 2014

sábado, 5 de julho de 2014

Luang Prabang, Laos


Ser santo é excepção; a regra é ser justo. Errai, caí em tentação, pecai, mas sede justos.

Victor Hugo in "Os Miseráveis"

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Jodhpur, Índia. A melhor omelete do mundo...


One Egg Or Two

Order,
One, two, three, four,
He tumbled off the wall,
A heaping plate of scrambled eggs,
Chaos.

Frank Polgar

quarta-feira, 2 de julho de 2014

auto retrato II


Para saber de mim
Vá para além dos olhares e ideias
além da pele e da carne
Vá além até mesmo da alma
Chegue até aos ossos.
Outros horizontes podem atrair os olhares
Ideias podem ser transformadas
Cada toque na pele causa uma dor ou um arrepio diverso
Carne vive, deseja e morre
Não há fonte que seja inesgotável à sede que tem a alma
Só os ossos ficam no final.

Fabiane Ponte

segunda-feira, 30 de junho de 2014

auto retrato


Os homens jamais conseguirão derrubar um edifício que não chegou a ser construído.

Gonçalo M. Tavares in "Aprender a rezar na era da técnica"

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Pushkar, India


Somos olhados com a mesma curiosidade com que olhamos... Somos tão estranhos a eles como eles a nós... Isso torna-nos iguais... Ao olhar os seus olhos vemos o nosso olhar... Como num espelho.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Minas do Pintor... Monsters, Giants, Faeries, and Me


Monsters, Giants, Faeries, and Me

In a place,
Known as 'Far and wee'
There lived monsters, giants, fairies and me.

Where the grass is truly green,
And the sky, truly blue,
The creatures there are far too keen.

Trees have pink leaves,
Glowing neon vines,
White flags fly among the lines.

A place of no war,
No hell,
Just haven,
In this place, not a creature is craven.

The air there smells of life,
Not of smoke, filth and strife.

Then again,
Every now and then,
The monsters come by night and day
And steal some of the goodness here away.
© Alannah Buchanan

domingo, 22 de junho de 2014

Praia da Luz


Muito longe daqui, nem eu sei quando,
Nem onde era esse mundo em que eu vivia...
Mas tão longe... que até dizer podia
Que enquanto lá andei, andei sonhando...
(...)

Antero de Quental in "No circo"

domingo, 15 de junho de 2014

Mercado, Hanói, Vietname



A alegria gasta-se como as velas acesas, e apaga-se.

Afonso Cruz in "Jesus Cristo bebia cerveja"

domingo, 8 de junho de 2014

Céu


"Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu."

José Luís Peixoto in "Nenhum Olhar"

sábado, 7 de junho de 2014

Indochina


As cidades produzem homens ferozes, porque produzem homens corruptos. A montanha, o mar, a floresta, produzem homens selvagens; desenvolvem a parte feroz, porém muitas vezes sem destruir a parte humana.

Victor Hugo in "Os Miseráveis"

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Berna - "Surrealismo"


EXAGEROS

O Alfredo atirou o jornal ao chão, irritadíssimo, e virou-se para mim:
- Estes jornalistas! Passam a vida a inventar coisas, é o que te digo. Então não afirmam que, no Sardoal, foi encontrado um frango com três pernas! Vê lá tu! É preciso ter descaramento.
Ajeitou-se melhor no sofá e, realmente indignado, coçou a tromba com a pata do meio.

Mário Henrique Leiria in "Novos Contos do Gin"

Hanói, Vietname


Onde há velocipedes... Há capacetes...

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Istambul


À medida que anoitece a música e cantoria local vai-se intensificando com cada grupo desafiando e tentando suplantar o vizinho, e com isso atrair mais clientela, sendo esta animação um misto de índole natural dos músicos com um artificialismo “caça turistas” que todos parecem aceitar. As luzes coloridas em cascata contribuem para o ambiente festivo com um toque kitsch pitoresco. A música lembra um filme do Kusturica…

Ao lado dos músicos, na mesma mesa, as mulheres que com eles cantam vão fumando narguilé numa pose que parece demasiado estudada para ser natural. À medida que a noite avança aumenta a animação dos músicos e a languidez das acompanhantes…

Luís Veloso

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Fatehpur Sikri, Uttar Pradesh, Índia


A importância da terra onde plantas aquilo
que será o teu alimento principal: a tua casa.
Onde morar?, eis a escolha essencial.
Não deves fazer casa por cima de uma terra
onde não tenhas caído. No centro da tua queda
se erguerá a tua tranquilidade.
E no centro da tua casa, as escadas
por onde sobes. Um, dois.

Gonçalo M Tavares in "Uma Viagem à Índia" Canto V, 16

domingo, 1 de junho de 2014

Doce Seul...


O  Kkul Tarae é um doce tradicional dos tempos da monarquia coreana, feito de mel, malte e recheio de amêndoas ou nozes, que antigamente era oferecido pelo Rei aos seus convidados mais importantes.  Produzido artesanalmente com 16,000 fios dessa mistura de mel e malte, simboliza o desejo de longevidade, saúde, boa fortuna e realização.
A preparação do doce na área da rua Insadong é divertida e atrai a multidão de pessoas que passeia por lá.  Coreanos vestidos de branco transformam um pedaço duro dessa massa de mel e malte, que parece uma pedra, em fios brancos delicadíssimos (os tais 16,000 fios), que depois são envoltos em uma mistura de amêndoas ou nozes.  Durante o processo, vão cantando (meio em inglês, meio em coreano) uma música que conta a história do docinho e dizem piadinhas que divertem os curiosos que ficam fascinados com a habilidade e bom humor dos “chefs”.  Impossível não querer experimentar um depois de pronto!
Imagem: Luís Veloso; Texto adaptado de: http://www.estilohyatt.com.br/

sábado, 31 de maio de 2014

Forte Mehrangarh, Jodhpur


As Coisas Transitórias

(...)
Chegará um silêncio absoluto,
e, então, a música será perfeita.
A vida inclinar-se-á ao poente
para afogar-se em sombras doiradas.
O amor há-de ser chamado do seu jogo
para beber o sofrimento
e subir ao céu das lágrimas ...
Irmão, recorda isto, e alegra-te.
(...)

Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"

Todas as opiniões que há sobre a Natureza 
Nunca fizeram crescer uma erva ou nascer uma flor. 
Toda a sabedoria a respeito das cousas 
Nunca foi cousa em que pudesse pegar como nas cousas; 
Se a ciência quer ser verdadeira, 
Que ciência mais verdadeira que a das cousas sem ciência?

Fecho os olhos e a terra dura sobre que me deito
Tem uma realidade tão real que até as minhas costas a sentem.
Não preciso de raciocínio onde tenho espáduas.

Alberto Caeiro

quinta-feira, 29 de maio de 2014

A dissolução do sol, Murtosa



Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.


Arthur Rimbaud

(imagem: luís veloso / musica: ANNA RF feat IMAMYAR HASANOV   Azerbaijani Folk Song ''Lachin'')

Porto de Paracas, Peru


NOSTALGIA
Perder uma fotografia
é perder
um momento
duas vezes.
Daniel Jonas

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Amsterdam


(...) os melancólicos não ficam assim por amor, mas se apaixonam para dar voz à sua melancolia.

Umberto Eco in "A Ilha do Dia Antes"

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Atravessando o Rio Yamuna, à chegada a Agra.


O Rio Yamuna (यमुना), estendendo-se por cerca de 1.370 km, é o maior afluente do Rio Ganges (गगां) no norte da Índia. Yamuna é considerado o mais sagrado dos rios na mitologia Hindu. A sua nascente é em Yamunotri, em Uttarakhand Himalaya, na cordilheira dos Himalaias. Corre através dos estados de Delhi, Haryana e Uttar Pradesh, antes de se juntar ao Ganges em Allahabad. Nas suas margens espraiam-se as cidades de Delhi, Mathura e Agra.

Hanói, Vietname


(...) os homens apenas envelhecem por fora, as ideias são imutáveis.

Carlos A. Carneiro in "Nunca é Tarde"

domingo, 25 de maio de 2014

Mercado de Saigão, Vietname


(...) as respostas são perguntas mortas.

Afonso Cruz in "Para onde vão os guarda-chuvas"

Teatro dos fantoches de água, Hanói, Vietname


(...) Não faz sentido nenhum que o mar não seja doce e potável. Fazer da maior parte do planeta uma coisa intragável é hediondo, e só Deus poderia lembrar-se disso. É a prova de que existe. Se fosse a ciência ou a razão o que fariam? Um mar estupidamente salgado ou uma coisa que se pudesse beber ao balcão de um bar?

Afonso Cruz in "Jesus Cristo bebia cerveja"

sábado, 24 de maio de 2014

Praga


(...)
Tenho conhecido gente um pouco estranha nestas festas. Existe de tudo. As ocupações mais bizarras. Eu sei, é claro, que isso depende sempre da perspectiva. Eu, por exemplo, vendo caixões. O meu pai vendia caixões. O meu avô vendia caixões. Cresci nisto. Acho até prosaico. Preferia, reconheço, dar aulas de levitação. Paciência. Consola-me saber que a morte é melhor negócio. Como o meu avô dizia - só uma coisa me aflige: a imortalidade.

José Eduardo Agualusa in "Manual prático de levitação"

Tampere, Suomi


O sol continuava sem brilhar,
a lua continuava sem luzir
nas moradas de Väinölä
nos prados de Kalevala;
caíu o gelo sobre as plantas,
a vida dos animais,
dos pássaros fez-se dura,
e triste a dos homens,
uma vez que o sol não aquecia,
a lua continuava sem brilhar.
O lúcio conhecia os fundos,
a águia o rumo da ave,
o vento o curso do navio,
mas os homens ignoravam
quando nascia o novo dia,
quando chegaria a escuridão
lá no cabo nebuloso,
lá na ilha da névoa.

Elias Lönnrot in "Kalevala"

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Peru, Atravessando o altiplano...


"Viajar! Perder países! 
Ser outro constantemente, 
Por a alma não ter raízes 
De viver de ver somente!
Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu."

Fernando Pessoa

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Dubai, Marina


"A minha única diferença em relação a um homem louco é que eu não sou louco!"

Salvador Dali

Ilha do Sal, Cabo Verde.


Porque mudo, queimo-me.
Porque as ondas me batem na boca.

Herberto Helder in "A Faca Não Corta o Fogo"

terça-feira, 20 de maio de 2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Varanasi, Índia


As fogueiras de Benares: 
Nas margens do Ganges, os 180kg de lenha usados na cremação dos corpos são acesos pelo fogo da fogueira original, ateada pelo Deus Shiva há 3.500 anos e mantida acesa desde então. Os corpos ardem durante 3 horas e as cinzas são entregues ao rio sagrado. Finalmente podem repousar, libertos do seu corpo, um "vestido coçado que já não prestava, uma pele velha que se abandona por outra nova."

Varanasi, 27 de Abril 2011

domingo, 18 de maio de 2014

As viagens começam em casa...


Gosta de musica que é a mesma coisa que ouvir geometria.

Afonso Cruz in "Jesus Cristo bebia cerveja"

"O acordar dos deuses".


Varanasi, o amanhecer ouvido num barco a remos no meio do ganges.

Sobre a cidade de Varanasi: 
(...) "aquilo que a distingue e que constitui a sua originalidade são os 4,5 km da margem do Ganges sobre os quais se debruçam, do alto de escadarias tétricas e grandiosas, dignas de Babilónia, os palácios e os templos mais importantes da cidade. Estes 4,5 km de edifícios desiguais, e no entanto acomunados e unificados pelo mesmo ar de antiguidade corrupta e enegrecida, magicamente suspensos sobre as escadarias à beira do Ganges amarelo e lustroso, que naquele ponto é muito estreito, pouco mais largo do que o Tibre em Roma, devem ser vistos de uma embarcação que avance lentamente contra a corrente, de manhã, quando nas margens pulula a multidão de peregrinos que se lavam no rio." (...)

Alberto Moravia in "Uma ideia da Índia"

Serra de Arada


As árvores e os livros

As árvores como os livros têm folhas 
e margens lisas ou recortadas, 
e capas (isto é copas) e capítulos 
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

Jorge Sousa Braga


Serra de Arada, 29 de Outubro de 2011